quarta-feira, 5 de setembro de 2012

LANÇAMENTO DE CARTILHAS

"... arriscada coreografia de gestos e fogo..."


As cartilhas eram artefactos de fogo de artificio, em tudo iguais aos foguetes conhecidos como morteiros, isto é, com um rastilho maior e uma única bomba.

A diferença é que em vez da cana ou vara que ajuda a direccionar o foguete para o ar, tinham um taco de madeira que as obrigava a rebentar no chão ou ocasionalmente no ar se não eram largadas a tempo.

Assim, eram arremessadas á mão para este ou aquele lugar, ficando a revoltear no chão, até rebentar.

Por vezes, algum arremessador mais malicioso retirava-lhes o taco e a cartilha tornava-se perigosa porque não se mantinha junto ao chão, serpentando quer pelo chão quer pelo ar, resultando maior perigo para as pessoas por ser imprevisivel o local onde iria rebentar.

Usadas para festejar a noite da véspera de S. João, até quase ao final do século XX, dada a sua perigosidade, acabou por ser interditado o seu fabrico e consequente uso.

Na nossa freguesia de Conceição de Faro, eram famosos os combates de cartilhas de Bela Curral que ocorreram até meados do século passado.

O grupo de Bela Curral tinha como oponente o grupo de Pechão e a coisa era renhida até um dos grupos desistir normalmente por falta de cartilhas.

A festa começava no "mastro" que se fazia nas traseiras  do famoso baile de Bela Curral, no armazém do José Bárbara e já depois da meia-noite quando o baile terminava, dava-se então o combate de cartilhas, em plena estrada.

Certa vez, os homens das cartilhas resolveram terminar um pouco mais cedo com o baile, arremessando duas cartilhas para o interior do "mastro", o que fez com que toda a gente saísse apressadamente no meio do maior alvoroço e sobressalto.

Cá fora, os homens davam inicio ao combate, exibindo-se com o manuseamento simultâneo de duas cartilhas, uma em cada mão, que depois arremessavam na direcção uns dos outros.

Um dos maiores entusiastas das cartilhas de Bela Curral, era o Ti Casimiro que durante todo o ano amealhava o dinheiro que podia, para no S. João, comprar nada mais menos que um grande saco de cartilhas.

O manuseamento das cartilhas carecia de alguma coragem e perícia.

Assim, como a mecha demorava alguns segundos a arder até se dar o rebentamento, os homens exibiam as suas habilidades segurando no taco, ao mesmo tempo que revolteavam a cartilha á sua volta, numa arriscada coreografia de gestos e fogo, só a soltando, no ultimo segundo antes do rebentamento.

Por vezes sucedia que por a mecha arder um pouco mais rápido que o calculado pelo lançador, a cartilha rebentava ainda na sua mão.

Se a cartilha estava correctamente segura pelo taco, não havia grande problema para além de alguns pelos da mão e braço chamuscados.

Pelo contrário, se o utilizador ignorava as regras elementares de segurança, não segurando apenas no taco e a cartilha rebentava na sua mão, dava-se o acidente, esfacelando mão e dedos.
Raras não eram as vezes que os próprios tacos das cartilhas atingiam quem estivesse por perto na altura do rebentamento, causando alguns ferimentos.

Estoi, foi a freguesia do concelho de Faro, onde esta tradição das cartilhas pelo S. João, perdurou por mais tempo, só terminando há bem poucos anos, após a completa interdição de fabrico e venda das cartilhas.

Eram verdadeiras multidões que na noite de véspera de S. João se juntava em Estoi, para assistir ao famoso combate de cartilhas.

2 comentários:

  1. Também famosos eram os combates de lançamento de cartilhas realizados na noite de S.João na esplanada dos extintos Café e Mercearia Aliança. O sr José Pedro da Silva proprietário destes estabelecimentos era um entusiasta, experiente e exímio lançador de cartilhas, e reunia nessa noite á sua volta a fina flor da sociedade farense de lançadores ou simplesmente apreciadores.

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  2. De recordação em recordação, também me lembro de assistir a combates de cartilhas, no campo de futebol do Farense, em S.Luis.
    Criavam-se dois muros com fardos de palha, no próprio terreno de jogo, na altura pelado e atrás de cada um resguardava-se um grupo.
    A assistência colocava-se na bancada.

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JJ Rodrigues